Desde 2002 foram contabilizados 25 casos que deixaram 139 vítimas, sendo 46 fatais
Dois estudantes morreram após um ataque a tiros no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, no norte Paraná, na segunda-feira (19). O autor dos disparos é um ex-aluno de 21 anos que utilizou um revólver, segundo a Polícia Militar. Ele foi detido e encaminhado à delegacia. Karoline Verri Alves, de 17 anos, e Luan Augusto, de 16 anos, eram namorados e estudavam na mesma escola.
O episódio soma-se à extensa lista de ataques a escolas nos últimos anos e colocou 2023 como o ano que mais registrou episódios de violência com sete ataques, seguido por 2022 com seis, e 2019 com três casos. O levantamento foi feito pelo Instituto Sou da Paz, uma organização sem fins lucrativos e que criou a primeira campanha de desarmamento no país.
O estudo "Raio-x de 20 anos de ataques a escolas no Brasil" aponta que desde 2002 foram contabilizados 25 casos que deixaram 139 vítimas, sendo 46 fatais. Contudo, armas de fogo foram usadas em 48% dos casos e causaram 76% das vítimas fatais. Os números revelam o caráter ainda mais destrutivo dos massacres com uso de armas de fogo. Os ataques a tiros geraram três vezes mais vítimas fatais do que as ocorrências com armas cortantes ou perfurantes.
O mapeamento revelou que os massacres aumentaram em número e letalidade desde 2019, mesmo ano em que iniciou a flexibilização do acesso às armas promovido pelo governo de Jair Bolsonaro. Cerca de 80% das armas de fogo usadas se enquadram nas categorias que, até maio de 2019, eram de uso permitido a civis. Foram usadas também três pistolas calibre 40, que antes de 2019 eram de uso restrito. Destas, duas eram de propriedade de parentes que trabalhavam nas forças de segurança e uma delas era registrada por um Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) em Sobral (CE).
“O estudo mostra que a disponibilidade de armas em residências favorece esse tipo de crime e aumenta a letalidade, colocando em evidência o quão crucial é o controle do acesso e do armazenamento dessas armas para redução da letalidade destes eventos, já que ferimentos com armas brancas e de pressão são menos graves e têm mais chances de defesa, socorro e recuperação da vítima“, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Em março deste ano, a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, morreu após ser esfaqueada em sala de aula por um aluno em uma escola estadual na Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro Vila Sônia, em São Paulo. Outras três professoras e dois alunos foram vítimas deste episódio. O crime foi cometido por um de seus alunos, de 13 anos. Em abril, uma creche em Blumenau (SC) se tornou alvo de um homem de 25 anos que tirou a vida de quatro crianças.
Perfil O grupo de agressores é formado exclusivamente por meninos e homens, reforçando um fenômeno ligado ao universo masculino. A maior parcela é de alunos (57%) e ex-alunos (36%). Em pelo menos dois casos, o agressor estava há meses sem ir às aulas e nenhuma providência de busca ativa – considerada um fator de proteção – foi feita, o que contribui para o isolamento e radicalização desses estudantes ao ficarem longe do ambiente escolar.
Planejamento De acordo com o Instituto Sou da Paz, em pelo menos 20 casos houve o planejamento por semanas ou meses. No ataque em Cambé, a polícia encontrou com o agressor anotações sobre ataques em escolas, incluindo o de Suzano (SP), ocorrido em 2019 na Escola Estadual Professor Raul Brasil no município de Suzano, que resultou em 10 mortes.
Para a ONG, o diagnóstico evidencia a importância de haver um diálogo entre os casos e os autores, como reforça que há um prazo hábil para que funcionárias, funcionários, professoras, professores, estudantes e responsáveis legais possam notar mudanças de comportamento ou até atos preparatórios e consigam tomar medidas para intervir precocemente e prevenir os ataques. Para isso, conforme o levantamento, é necessário estruturar e preparar a comunidade escolar para identificar os sinais antes dos ataques e agir com eficácia.
O Instituto Sou da Paz traz algumas recomendações para a prevenção de novos casos:
-Criação de equipes policiais treinadas em monitoramento de redes sociais com capacidade de realização de análise de risco, para triagem e atuação preventiva.
-Fortalecimento da ronda escolar, fortalecimento de vínculos entre a direção da escola e batalhões locais.
-Treinamento e estabelecimento de protocolo de ação para que policiais militares possam responder a estes eventos de modo a eliminar a ameaça mais rapidamente possível, preparar socorro e evacuação das vítimas.
-Estabelecimento de programas específicos para a saúde mental dos estudantes e de mediação e justiça restaurativa nas escolas para lidar com conflitos e bullying, que devem ser conduzidos por profissionais dedicados a esta atividade, sem sobrecarregar professores com mais estas atribuições.
-Treinamento de professores e funcionários para que consigam identificar comportamentos que precisam despertar ações da comunidade escolar.
-Criar ações para instruir as pessoas a evitarem repassar boatos e mensagens sem procedência identificada, para evitar pânico.
-Endurecimento do controle e fiscalização da compra de armas de fogo e munições para restringir o acesso a instrumentos mais letais por parte dos agressores.
-Rever facilitações dadas para permissão de adolescentes (a partir de 14 anos) a clubes de tiro, ainda que acompanhados de um responsável.
Fonte: ANDES-SN