O trabalho em condições análogas à escravidão é crime e uma grave violação aos direitos humanos. No entanto, a prática segue frequente em todo o Brasil. De 1995 até 2020, 55.712 pessoas foram resgatadas trabalhando sem equipamentos adequados, sem folga semanal, sem remuneração, tendo para beber somente a água da chuva e até dormindo ao lado de porcos e chiqueiros. O levantamento é do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, que reúne dados de ações de órgãos públicos desde 1995.
Segundo o Observatório, o Pará foi o estado com mais resgates de pessoas nessa situação nos últimos 15 anos: 13.225 trabalhadores, uma média de 508 vítimas por ano. Em 2020, Minas Gerais foi o estado com maior número de resgates, com 351 casos, seguido por Distrito Federal, Pará, Goiás e a Bahia.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que, em todo mundo, esse tipo de violação aos direitos humanos alcança mais de 25 milhões de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Em outra ponta, tal exploração gera cerca de US$ 150 bilhões anuais em lucros ilegais para os proprietários escravagistas.
No final do mês de outubro, uma fiscalização composta por representantes do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT), Auditoria Fiscal do Trabalho, Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF) nos municípios de Itupiranga e Nova Ipixuna, no sudeste do Pará resgataram 13 pessoas em regime de trabalho análogo à escravidão. Durante a fiscalização nas fazendas, a equipe encontrou diversas irregularidades, as mais graves foram em relação às péssimas condições de trabalho e moradia. Em uma delas, cuja atividade era criação de gado leiteiro, os trabalhadores dormiam no curral.
Neste barracão, localizado há cerca de 100 metros da casa do empregador, havia quatro cômodos nas laterais, com chão de terra batida e paredes de madeira, alvenaria ou palha: o primeiro abrigava os porcos, o segundo uma espécie de cozinha improvisada onde também dormia um trabalhador, ao lado outro compartimento com redes para dormir e o último era um galinheiro. Nos fundos dos compartimentos, havia um chiqueiro e muito lixo.
Os trabalhadores viviam no local desde o início do ano e eram obrigados a conviver com o forte odor de fezes dos bichos e sob altas temperaturas, já que a estrutura tinha teto baixo feito com telhas de fibrocimento e sem ventilação. Os homens dormiam em redes, que foram fornecidas pelo proprietário, mas não de graça, tiveram que pagar por elas, segundo informou o Ministério Público do Trabalho. Não tinham geladeira, então, salgavam a carne que comiam como única medida de conservação e sanitária. Não tinham banheiro nem água encanada.
Um dos trabalhadores relatou que já presenciou ratos no ambiente, por falta de estrutura adequada para armazenamento dos alimentos, e que não consumiam a água do local, que vinha de um poço, pois era “capa rosa”, quando há a presença de uma espécie de ferrugem. Para não ficar com sede, ele sempre pegava água na casa da sua mãe, localizada a cerca de 2,5 km da fazenda, e trazia para o consumo no alojamento.
A procuradora do Trabalho, Silvia da Silva, integrante do núcleo especializado de combate ao trabalho escravo do MPT PA-AP disse que nas duas fazendas dos dois municípios as pessoas viviam em péssimas condições de trabalho e moradia. Em Itupiranga, o fazendeiro, proprietário das terras foi preso em flagrante e também responderá por crime ambiental.
"Havia um total desrespeito de preceitos mínimos relacionados à questão de saúde, medicina e segurança do trabalho, bem como não eram respeitados os preceitos elementares referentes a alimentação, fornecimento de moradia, equipamentos de proteção individual", disse a procuradora.
Autuados por trabalho escravo Quando a fiscalização trabalhista encontra situações como a narrada acima, empregadores são notificados e intimados a comparecer em audiência para realizar o pagamento das verbas rescisórias e ainda respondem criminalmente por seus feitos.
Além disso, o nome do empregador, após o ato ser julgado procedente, é incluído em um cadastro, uma "lista suja". "Isso faz com que o empregador sofra restrições, sobretudo com relação a embargo de compradores internacionais, que não querem ter a marca vinculada a uma cadeia exploratória de mão de obra escrava", resume André Santos, da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo.
Para denunciar situações de trabalho análoga à escravidão, é só entrar no site do Ministério Público do Trabalho (MPT) ou ligar para o Disque 100, linha direta para denúncias sobre uma das mais antigas forma de exploração humana.
Fonte: Brasil de Fato. Com edição do ANDES-SN. Foto: Assessoria/MPT-PA/AP
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