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Cepe da UFSM aprova cursos pagos de pós-graduação e coloca em risco princípio da gratuidade


Entidades denunciaram caráter privatista contido na minuta de resolução

Em uma votação com resultado apertado, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Universidade Federal de Santa Maria (Ufsm) aprovou, na manhã desta sexta-feira (19), a minuta de resolução que regulamenta os cursos de pós-graduação lato sensu, permitindo a cobrança de taxas e mensalidades por essas especializações. Tanto o reitor Paulo Burmann quanto seu vice (e reitor eleito) Luciano Schuch votaram favoráveis à minuta que, na avaliação de coletivos, movimentos sociais e entidades representativas estudantis e sindicais, sinaliza uma afronta ao caráter público e gratuito da universidade, abrindo largo caminho à maior proliferação de parcerias público-privadas, a interferências mercadológicas nos planos de ensino dos cursos e a uma elitização da pós-graduação.


Na mesma sessão, também deliberou favoravelmente às ações afirmativas na pós-graduação, reservando cotas para pessoas pretas, pardas, com deficiências ou pertencentes a demais minorias sociais. Para Neila Baldi, diretora da Seção Sindical do ANDES-SN na Ufsm (Sedufsm SSind.) e conselheira do Cepe, há uma flagrante contradição entre uma e outra política aprovadas.


“Ao mesmo tempo em que temos políticas de ações afirmativas, tanto na graduação quanto na pós, temos em pauta o pagamento da pós-graduação. Ou seja, eu tento ampliar o acesso para alguns e algumas, mas eu tiro o acesso quando instituo uma cobrança. Viemos, nas últimas duas décadas, trabalhando por uma inclusão dentro das universidades públicas. Quando aprovamos cursos de pós-graduação pagos, começamos a abrir a porteira para a boiada passar. A pós paga, mesmo que em cursos eventuais, criará um arcabouço para que o governo proponha mensalidades em toda a pós-graduação, retomando inclusive a ideia ‘vouchers’. Não podemos ignorar o momento em que estamos vivendo. Temos um governo neoliberal, de ultradireita, que inclusive já iniciou propondo o ‘Future-se’”, recorda Neila.


Para a docente, se o governo vem impondo duros cortes orçamentários às universidades públicas, é preciso que as comunidades acadêmicas, em conjunto com a sociedade, mobilizem-se para pressionar por mais investimentos, ao invés de se adequarem ao cenário de inanição e tentarem captar recursos por conta própria a partir de parcerias com empresas.


“O Estado tira recursos da educação, mas tem recursos para aprovar a PEC dos Precatórios, por exemplo. Qual a prioridade? Não faz sentido irmos na mesma lógica do governo neoliberal. Possibilitar pagamento na pós-graduação pública é, sim, possibilitar a privatização do ensino. O debate de hoje é: que universidade nós queremos? Quero uma universidade pública, gratuita, de qualidade e laica, e isso não se alinha ao pagamento de mensalidades na pós”, argumenta.


Mateus Lazzaretti, integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE Ufsm), também ressalvou o descompasso entre tentar ampliar o acesso à pós-graduação via ações afirmativas e, logo em seguida, restringir tal acesso mediante obrigatoriedade de pagamento.


“Os avanços na nossa história sempre foram acompanhados de contrapesos antidemocráticos, que limitam o acesso mais geral. O quão contraditório é que estejamos conseguindo esse avanço de ações afirmativas na pós-graduação, ao mesmo tempo em que colocamos um contrapeso que abre a possibilidade de cobranças na pós-graduação?”, questiona o estudante.


Em resposta à defesa de alguns conselheiros e conselheiras favoráveis às cobranças por essas, supostamente, representarem uma maior flexibilidade da universidade às demandas profissionais de formação, Lazzaretti lembra que, nas últimas vezes em que a palavra ‘flexibilização’ foi utilizada, serviu como bomba no colo do povo. “Tivemos a flexibilização da legislação trabalhista e das regras da previdência, com impactos fortemente negativos. Abrir um precedente desses em um momento como o que estamos vivendo é extremamente perigoso”, conclui.


Quem vai ficar de fora? Para o vice-presidente da Sedufsm SSind., Ascísio Pereira, não é possível aprovar qualquer política sem olhar para a totalidade. Só assim será possível entender quais os impactos e desdobramentos que uma ação poderia ter ou potencializar. Num país de formação social como o Brasil, instituir cobranças é, necessariamente, embranquecer espaços.


“Os cursos pagos estarão cheios de brancos e brancas. E, para confirmar isso, é só olhar para as estatísticas. Quem mais morre no Brasil é preto. Quem recebe o menor salário no Brasil é a população negra. Essa população, com raras exceções, vai estar fora dos cursos que tenham pagamento. E as exceções só serve para confirmar a regra - a regra da exclusão”, critica do dirigente, que participou da reunião como conselheiro do Cepe.


A justificativa apresentada pelos setores que defendem a oferta de especializações pagas é de que essas não comporiam a grade permanente de cursos ofertados pela instituição, consistindo em turmas eventuais, não regulares e com objetivo de sanar demandas específicas de formação.


No entanto, mesmo sendo demandas específicas, essas podem ser bastante importantes à atuação profissional, devendo, então, serem disponibilizadas de forma gratuita. Pereira acredita que, se a universidade possui estrutura e corpo docente para ofertar tais cursos, faço-o de forma gratuita. “A universidade tem de ser socialmente referendada para além dos discursos. Não educamos para o mercado, educamos com o intuito de formação integral do ser humano”, atesta o dirigente da Sedufsm SSind.


Durante a reunião do Cepe, foi apresentada uma carta assinada por 19 entidades sindicais, estudantis e sociais, endereçada aos conselheiros e conselheiras. “Pedimos que o conselho não aceite que a UFSM decida cobrar por nenhum curso. Apresentaremos nosso parecer de vistas que visa aprovar a resolução, porém suprimir os artigos que permitem eventuais cobranças nos cursos de pós-graduação. Acreditamos que o acesso à universidade pública, incluindo cursos de especialização eventuais, é direito de todes e, por isso, não deve ser limitado por condições financeiras”, aponta trecho da nota.


Embora em 2017 o STF tenha decidido favoravelmente à cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por universidades públicas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395/2014 não passou na Câmara dos Deputados, sendo arquivada. À época, foi a pressão de entidades como ANDES-SN, Fasubra e ANPG que garantiu a permanência da gratuidade em todos os níveis.


Tramitação Após ser aprovada, por 25 votos a 24, a minuta de resolução segue para apreciação do Conselho Universitário (Consu) na próxima sexta-feira, 26 de novembro. Nas últimas semanas, as entidades sindicais e estudantis representativas da comunidade universitária fizeram reuniões, abaixo-assinados e ato público buscando conscientizar a população a respeito dos riscos privatistas que a universidade corre. O próximo capítulo da luta, agora, é o diálogo junto aos e às integrantes do Consu, bem como à comunidade externa.



Fonte: Sedufsm SSind. com edição do ANDES-SN

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