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Consciência Negra IV

Atualizado: 18 de dez. de 2020

Durante o mês de novembro até meados de dezembro, a ADUFOP divulgará semanalmente pequenos textos de pessoas negras com reflexões diversas referentes ao tema da Consciência Negra nas suas redes sociais. Caso você queira participar, envie sua mensagem através do Instagram da ADUFOP ou do e-mail comunicacao@adufop.org.br


Texto do livro HOMEM: SATÃ OU ANJO BOM? Leonardo Boff, Ed. Record, 220p, 2008.

Reescrito em formato de poema.

Contribuição anônima.

Meu irmão branco,

Minha irmã branca, meu povo:

Que te fiz eu e em que te contristei?

Responde-me!


Eu te inspirei a música carregada de banzo

E o ritmo contagiante.

Eu te ensinei como usar o bumbo,

A cuíca e o atabaque.

Fui eu que te dei o rock e a ginga do samba.

E tu tomaste do que era meu,

Fizeste nome e renome,

Acumulaste dinheiro com tuas composições

E nada me devolveste.


Eu desci os morros,

Te mostrei um mundo de sonhos,

De uma fraternidade sem barreiras.

Eu criei mil fantasias multicores

E te preparei a maior festa do mundo:

Dancei carnaval para ti.

E tu te alegraste e me aplaudiste de pé.

Mas, logo, logo me esqueceste,

Reenviando-me ao morro, à favela,

À realidade nua e crua do desemprego,

Da fome e da opressão.


Meu irmão branco,

Minha irmã branca, meu povo:

Que te fiz eu e em que te contristei?

Responde-me!


Eu te dei em herança o prato do dia a dia,

O feijão e o arroz. Dos restos que recebia,

Fiz a feijoada, o vatapá, o efó e o acarajé:

A cozinha típica do Brasil.

E tu me deixaste passar fome.

E permites que minhas crianças morram famintas

Ou que seus cérebros sejam irremediavelmente afetados,

Infantilizando-as para sempre.


Eu fui arrancado violentamente

De minha pátria africana.

Conheci o navio fantasma dos negreiros.

Fui feito coisa, peça, escravo.

Fui a mãe-preta para os teus filhos.

Cultivei os campos, plantei o fumo e a cana.

Fiz todos os trabalhos.

E tu me chamas de preguiçoso

E me prendes por vadiagem.

Por causa da cor da minha pele

Me discriminas e me tratas ainda

Como se continuasse escravo.


Meu irmão branco,

Minha irmã branca, meu povo:

Que te fiz eu e em que te contristei?

Responde-me!


Eu soube resistir, consegui fugir

E fundar quilombos:

Sociedades fraternais, sem escravos,

De gente pobre mas livre,

Negros, mestiços e brancos.

Eu transmiti, apesar do açoite em minhas costas,

A cordialidade e a doçura à alma brasileira.

E tu me caçaste como bicho,

Arrasaste meus quilombos

E ainda hoje impedes que

A abolição da miséria que escraviza

Seja para sempre verdade cotidiana e efetiva.

Eu te mostrei o que significa

Ser templo vivo de Deus.

E, por isso, como sentir Deus

No corpo cheio de axé e celebrá-lo

No ritmo, na dança e nas comidas.

E tu reprimiste minhas religiões

Chamando-as de ritos afro-brasileiros

Ou de simples folclore. Não raro,

Fizeste de macumba caso de polícia.


Meu irmão branco,

Minha irmã branca, meu povo:

Que te fiz eu e em que te contristei?

Responde-me!


Quando com muito esforço e sacrifício

Consegui ascender um pouco na vida,

Ganhando um salário suado, comprando minha casinha,

Educando meus filhos, cantando o meu samba,

Torcendo pelo meu time de estimação

E podendo tomar no fim de semana

Uma cervejinha com os amigos,

Tu dizes que sou um negro de alma branca,

Diminuindo assim o valor de nossa alma

De negros dignos e trabalhadores.

E nos concursos em igual condição

Quase sempre tu me preteres

Em favor de um branco.



E quando se pensaram políticas públicas

Para reparar a perversidade histórica,

Permitindo o que sempre me negaste,

Estudar e me formar nas universidades

E assim melhorar minha vida

E a de minha família,

A maioria dos teus grita:

É contra a Constituição,

É uma discriminação,

É uma injustiça social.


Meu irmão branco,

Minha irmã branca, meu povo:

Que te fiz eu e em que te contristei?

Responde-me!







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