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Mulheres estão ainda mais sobrecarregadas durante a pandemia, aponta pesquisa

Atualizado: 15 de set. de 2020

Entrevistadas relatam cotidiano exaustivo tomado por tarefas domésticas, cuidado com o outro e trabalho remoto


Nos últimos meses, diversos estudos têm revelado os efeitos da pandemia da Covid-19 na vida das mulheres brasileiras. Muitas enfrentam uma rotina diária de tarefas domésticas, cuidado com idosos, crianças e pessoas com deficiência e ainda o trabalho remoto. Outras têm ainda que se expor para trabalhar fora de casa e garantir a sobrevivência de suas famílias.   


Segundo a pesquisa "Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia", da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista, metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém durante a pandemia da Covid-19. No caso das mulheres rurais esse percentual alcança 62% das entrevistadas. Entre abril e maio, foram entrevistadas 2.641 mulheres, de todas as regiões do Brasil, em áreas urbanas e rurais. Cerca de 80% dessas mulheres estão cuidando de familiares, 24% de amigos e 11% de vizinhos.


Para as que já cuidavam de outros antes da pandemia, 51% das mulheres que contavam com algum apoio para o cuidado afirmaram que o apoio diminuiu durante o período de isolamento social. "Recaindo tudo nas costas da mãe que já não está suportando as pressões e incertezas. As crianças irritadas por não saírem de casa pra nada, sem atividades que gastem energia, adoecendo... está um caos, verdadeiramente insuportável", desabafou uma das entrevistadas.  Entre as mulheres que participaram da pesquisa, 71% consideraram que os efeitos do isolamento social na saúde mental são sentidos mais sobre alguns moradores do que outros.


Trabalho doméstico A percepção das mulheres é que o trabalho doméstico - que inclui preparar ou servir alimentos, lavar louça e limpar o domicílio, entre outros - se intensificou no período da pandemia. Quando perguntadas se a atual situação alterou a distribuição das tarefas domésticas em suas casas, 23% avaliaram que a participação de outras pessoas no trabalho doméstico e de cuidado diminuiu, 64% das entrevistadas indicaram que no período do isolamento social a distribuição permaneceu a mesma e apenas 13% consideram que essa participação aumentou.


"Sinto sobrecarga mental sobre as tarefas domésticas e sobre o 'dever' de administrar a casa e decidir o que fazer ou não na manutenção da casa durante o isolamento", disse uma das entrevistadas. 


Trabalho remoto A pesquisa revelou também que, além do cuidado com outros e com a casa, 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena, relatando uma sobrecarga. Entre as que passaram a trabalhar em casa, com manutenção de salário, mais de 50% afirmaram que as tarefas domésticas "aumentaram muito". 65,4% das mulheres disseram que a responsabilidade com o trabalho doméstico e de cuidado dificulta a realização do trabalho remunerado.


De acordo com a pesquisa, "a intensificação e aumento da frequência de realização do trabalho doméstico e de cuidados não foram acompanhados por um aumento da participação de outras pessoas [do domicilio]".


"Os trabalhos domésticos me impedem de me concentrar para realizar trabalhos no computador. O mesmo não acontece com meu marido, que faz muito pouco em casa e tem a maior parte do tempo livre para trabalhar. E vejo que minhas amigas estão em um ritmo parecido", afirma outra entrevistada.


Desemprego A maioria (58%) das mulheres desempregadas são negras. Além disso, elas estão mais sujeitas aos efeitos da redução da atividade econômica, uma vez que representam boa parte dos trabalhadores informais, os mais vulneráveis em períodos de recessão. Também são a maioria no trabalho doméstico remunerado, que é majoritariamente informal. Já 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocam a sustentação da casa em risco. A maior parte das que têm essa percepção são mulheres negras (55%), que no momento em que responderam à pesquisa tinham como dificuldades principais o pagamento de contas básicas ou do aluguel.


Violência doméstica A violência contra as mulheres é uma preocupação e uma realidade desde o início da pandemia. Para muitas mulheres, ficar em casa certamente não é sinônimo de estar protegida. A pesquisa também apontou que 91% das mulheres acreditam que a violência doméstica aumentou ou se intensificou durante o período de isolamento social. Quando perguntadas sobre suas experiências pessoais, no entanto, somente 8,4% das mulheres afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento.


Esse percentual aumenta entre as mulheres com renda familiar de até 1 salário mínimo, 12%; e entre as mulheres rurais 11,7%.  As violências são inúmeras, desde cárcere privado, tapas e empurrões, até mexer no celular sem permissão.


"Semana passada eu ouvi minha vizinha apanhar do marido dela, liguei pra polícia e eles não me deixaram fazer a ligação como anônima, então fiz no meu nome", contou outra entrevistada. 


Produção acadêmica A sobrecarga das mulheres durante a pandemia da Covid-19 também tem afetado pesquisadoras. Levantamento do Movimento Parent in Science, intitulado "Produtividade Acadêmica durante a Pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade", revelou que apenas 4,1% das mulheres docentes com filhos estão conseguindo manter a produção acadêmica remotamente. Entre os homens com filhos o percentual sobe 14,9%. Quase 15 mil cientistas, entre discentes de pós-graduação, pós doutorandos e docentes/pesquisadores brasileiros responderam ao questionário durante os meses de abril e maio de 2020.


"Para enfrentar a intensificação da sobrecarga com o trabalho doméstico e de cuidado, demonstrada pela pesquisa, são necessárias políticas orientadas a transformações estruturais. Não se trata apenas de uma negociação no interior de cada domicílio, muito menos de normalizar dinâmicas de terceirização e externalização, que reforçam a precariedade da vida e do trabalho de mulheres negras, deixando intactos e inquestionados os mecanismos de desresponsabilização do Estado, dos homens e do conjunto da sociedade com essas atividades que são essenciais para a sustentabilidade da vida. E, como a pesquisa demonstrou, não podem parar", concluiu o estudo  da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista.


Saiba Mais Entrevista: Pandemia e a violência contra as mulheres https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/entrevista-pandemia-e-a-violencia-contra-as-mulheres1

Fonte: ANDES-SN Foto: FAO / Max Valencia

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