Nota da FLAMa-MG de denúncia sobre a perseguição às mulheres lutadoras sociais que pautam o enfrentamento às violências e violações desencadeados pela mineração extrativista em Antônio Pereira - Ouro Preto,MG.
03 de agosto de 2021
A violência contra a mulher se configura, atualmente, como um dos sintomas mais graves da degeneração social pela qual passa a sociedade brasileira.
É evidente que essa prática que, nos primeiros seis meses de 2020, ceifou a vida de 648 mulheres, é consequência de uma organização social extremamente machista, misógina e sexista. Firmemente alicerçado no capitalismo, ao qual interessa o constante rebaixamento do valor da força de trabalho da mulher, o patriarcado institui uma visão de mundo que perpetua no imaginário social a ideia de que a mulher é um ser inferior e, como tal, deve ser submissa, objetificada, descartável, silenciada, invisibilizada.
Essa ideia machista incide sobre todas as mulheres, de todas as etnias ou classe social, mas recai mais fortemente sobre as mais pobres, as pretas e, de maneira mais explícita, sobre as mulheres lutadoras sociais.
Se o sistema patriarcal induz à inferiorização da mulher em relação ao homem, é óbvio que vai usufruir dessa opressão para inibir a ação das mulheres defensoras dos direitos humanos, líderes comunitárias, sindicalistas, ambientalistas.
Assim, ameaças, agressões e assassinatos são cada vez mais frequentes em territórios que se encontram sob tensão e conflitos sociais. E não é diferente onde se instalam grandes empreendimentos, onde são constantes as violações de direitos humanos, com remoções forçadas, adoecimentos de toda ordem causados pela poluição, contaminações, adoecimentos mentais causado pelo terrorismo de barragens, etc.
Nesses territórios, são comuns os casos em que homens ligados às empresas, seja por interesses políticos, seja por interesses econômicos, atuam de maneira brutal no silenciamento das mulheres lutadoras sociais.
Por meio das redes sociais e de mensagens privadas repletas de ironia, sarcasmo, de ambiguidades que deixam um cheiro de ameaça no ar, esses homens, orientados pelo machismo e preconceito e, pela conivência das autoridades, se sentem totalmente à vontade para se manifestarem de forma ameaçadora e silenciadora sobre não somente as mulheres lutadoras sociais, mas também, contra qualquer mulher que ouse se manifestar contra os interesses da ordem capitalista vigente.
Em Antônio Pereira, distrito duramente assolado pelos conflitos decorrentes da atividade minerária da Mina de Timbopeba, de propriedade da Vale, e de sua barragem mais próxima do meio urbano, a barragem do Doutor, não é diferente. Da mesma forma que ocorre no mundo todo, vemos nesse distrito o seguinte cenário: homens que se sentem à vontade para ridicularizar, silenciar, ofender e ameaçar mulheres que se colocam a favor e lutam pelos legítimos interesses da comunidade, da população local e contra os interesses da mineradora, que é de continuar destruindo o território e lucrando com isso.
No momento, em que a empresa impõe à comunidade a instalação de um comitê supostamente constituído para participar do processo de reparação, várias moradoras e moradores se posicionaram contra tal instalação e em defesa da contratação da assessoria técnica independente, medida já determinada pela justiça e que a empresa, ré confessa no processo, se recusa acatar.
Neste cenário, figuras conhecidas no distrito, que atuam abertamente em defesa dos interesses da Vale e contra os direitos da comunidade e da população, têm se manifestado de modo descarado no sentido de desqualificar, ridicularizar e silenciar as mulheres que se opõem aos interesses da empresa. Um desses homens, vereador reconhecidamente eleito com muitos votos do distrito, chegou ao cúmulo de enviar, através do WhatsApp, uma mensagem de áudio ameaçadora à uma das mulheres lutadoras sociais do distrito: “Oi Renata (nome fictício), tranquilo? Pode ficar à vontade pra divulgar isso aí, tá? As pessoas me falaram que você tá mandando no privado também, mas não tem problema não...”
Afinal, o que faz esse sujeito achar que ele pode dizer às mulheres de Antônio Pereira o que elas podem ou não podem fazer? O material a que ele se refere na mensagem e que já estava sendo fortemente divulgado por inúmeras pessoas do distrito, era uma nota pública de repúdio às posições contraditórias e mentirosas que ele assume frente à comunidade e à população e que, na verdade, são de explícito alinhamento com a Vale. Essas posições precisam sim, ser amplamente divulgadas a fim de todos saberem como age e em favor de quem age tal figura pública.
Se a Vale e o vereador pensam que com essa postura intimidadora e ameaçadora vão conseguir calar as mulheres lutadoras sociais do distrito, estão totalmente enganados! A luta em defesa dos legítimos interesses da comunidade e da população do Pereira é uma luta coletiva, realizada por pessoas idôneas e não serão os lacaios, aqueles que se vendem por migalhas e que se colocam contra os interesses da comunidade que calarão estes e estas verdadeiras representantes dos interesses coletivos!
Nesse sentido, conclamamos todas as organizações de defesa das mulheres, dos direitos humanos e dos direitos dos e das atingidas pela mineração, a se somarem a nós contra o machismo que tenta nos silenciar. As mulheres lutadoras sociais de Antônio Pereira são aquelas que historicamente desencadeiam as lutas e resistências no distrito. São mulheres que não desistem das lutas! Merecem nosso respeito e o reconhecimento de que lutam a favor dos legítimos interesses da comunidade! Não serão silenciadas! Não admitimos ameaças a elas! Machistas, não passarão!