top of page

Entrevista: Muna Muhammad Odeh analisa a intensificação da ofensiva de Israel em Gaza

  • ADUFOP
  • hĆ” 48 minutos
  • 9 min de leitura

Para compreender um pouco mais do estÔgio atual do genocídio do povo palestino e o que significa o movimento de Israel de declarar a ocupação da cidade de Gaza, o ANDES-SN entrevistou a docente palestina Muna Muhammad Odeh, 2ª vice-presidenta da regional Planalto do ANDES-SN. Para a professora, a declaração de tomar a cidade de Gaza representa a continuidade e o aprofundamento dos planos do governo israelense de seguir com o genocídio do povo palestino em Gaza e a limpeza étnica do território. Confira a íntegra da entrevista realizada para composição da matéria "Israel intensifica ofensiva em Gaza e usa fome como arma de guerra", publicada no InformANDES de agosto.


Muna Muhammad Odeh durante visita do ANDES-SN Ć  Embaixada da Palestina em BrasĆ­lia (DF), em agosto deste ano. Fotos: Eline Luz / Imprensa ANDES-SN
Muna Muhammad Odeh durante visita do ANDES-SN Ć  Embaixada da Palestina em BrasĆ­lia (DF), em agosto deste ano. Fotos: Eline Luz / Imprensa ANDES-SN

ANDES-SN: Como você avalia a declaração de Israel dos planos de tomar a Faixa de Gaza, ocupando a cidade de Gaza? O que representa essa ocupação?

Muna Muhammad Odeh: A declaração de tomar a cidade de Gaza representa a continuidade e o aprofundamento dos planos do governo israelense de seguir na efetivação dos dois crimes que anseia implementar, hĆ” 22 meses, e que seguem em curso: primeiro, o genocĆ­dio contra o povo palestino em Gaza, e que se materializa no assassinato de mais de cem pessoas por dia, incluindo as que sĆ£o assassinadas na busca de comida; alĆ©m de milhares de pessoas feridas, muitas das quais vivem a morte lenta, uma vez que o regime israelense destruiu todo o sistema de SaĆŗde, inclusive executando e sequestrando profissionais de SaĆŗde, bem como o bombardeio do sistema de Saneamento BĆ”sico, e com isso expondo as pessoas a condiƧƵes que favorecem a morte, e nĆ£o a recuperação de uma ferida, de uma amputação; tambĆ©m pela ausĆŖncia de remĆ©dios e outros insumos proibidos de entrar Ć  Gaza por Israel. Por isso, precisamos nos atentar a essa dimensĆ£o crĆ­tica de mortes lentas entre a população. Segundo, ocupar a cidade de Gaza significa a expulsĆ£o de em torno de 1 milhĆ£o de habitantes, para tornĆ”-las refĆ©ns dentro de um espaƧo geogrĆ”fico altamente restrito, um real e concreto campo de concentração, no qual serĆ” possĆ­vel vigiar e controlar, criando uma Ć”rea militarmente cercada e onde toda necessidade humana - alimentar-se, ir e vir, se apoiar no que restou de laƧos familiares -, tudo serĆ” hermeticamente selado com o Ćŗnico propósito de continuar o projeto sionista elementar, que Ć© a limpeza Ć©tnica do povo palestino.JĆ” ouvimos declaraƧƵes do próprio premiĆŖ Netanyahu esclarecendo que, após ocupar a cidade de Gaza serĆ” possĆ­vel a ā€˜saĆ­da voluntĆ”ria’ das pessoas, termos que procuram o engano, a distorção, a hasbara [explicação] costumeira do apartheid israelense, pois em efeito estĆ” se falando de a limpeza Ć©tnica de Gaza. Netanyahu e o amplo acreditando que depois de destruir de todas as condiƧƵes de vida e de sobrevivĆŖncia, o povo palestino de Gaza serĆ” obrigado, nĆ£o tendo outra opção a nĆ£o ser desistir e sair.


ANDES-SN: A escalada da violência e do uso da fome como arma de guerra por Israel parece ter despertado a atenção mundial para o genocídio na Palestina. Algumas nações estão reconhecendo Palestina como Estado e manifestações de rua em diversos países, inclusive em Israel, pedem o fim da guerra. Como você avalia essa reação?

Muna Muhammad Odeh: Importante iniciar constatando que a política de usar a fome como arma de controle e de subjugação do povo palestino foi instituída hÔ anos em Gaza, por meio do embargo imposto em 2007, interditando um gama de produtos vitais, inclusive alimentares, mas tem sido exacerbada nos últimos 22 meses.


Foi implementada de forma gradual, não somente pelo controle de entrada de alimentos. Desde outubro de 2023, foram sistematicamente destruídas as regiões agrícolas em Gaza, incluindo a produção de gado, frango e outras fontes de proteína animal. Com isso, a infraestrutura da segurança alimentar de Gaza foi aniquilada, por bombardeio e outros meios belicistas.


Palestina Ć© reconhecida como Estado pela grande maioria dos paĆ­ses membros das NaƧƵes Unidas, ou seja 149 do total de 193, isto Ć© 75%. Quem ainda nĆ£o reconhece sĆ£o principalmente paĆ­ses europeus, os Estados Unidos, CanadĆ”, AustrĆ”lia e outros aliados de Israel que, nĆ£o por coincidĆŖncia, tĆŖm legados de colonialismo, racismo e apartheid contra povos indĆ­genas. As reaƧƵes destes paĆ­ses Ć  essa altura, evidentemente bem tardias como demonstram as consequĆŖncias do genocĆ­dio, chegam curiosamente, e diria desumanamente, condicionadas, pois colocam regras em cima do povo palestino sob ocupação e demandam que este seja ā€˜dócil e calado’ quando impƵe exigĆŖncias Ć  vĆ­tima e nĆ£o ao opressor, colonizador e genocida Estado de Israel. Ademais, esse reconhecimento nĆ£o Ć© imediato, malgrado a situação crĆ­tica e desastrosa em Gaza, ficou estipulado para setembro de 2025. Na essĆŖncia, falta seriedade em termos de respostas Ć  altura dos crimes que Israel continua a cometer, com total impunidade, por parte dos governos de peso e de hegemonia. De toda forma, o reconhecimento por si só nĆ£o Ć© suficiente, Ć© preciso que esses paĆ­ses de poder e hegemonia polĆ­tica, militar e econĆ“mica deem a garantia para a viabilidade e a soberania de um tal Estado Palestino que desejam reconhecer. TambĆ©m, Ć© questĆ£o chave que esse reconhecimento nĆ£o seja uma forma de contornar o processo de julgamento de Israel e de sua responsabilidade pelo genocĆ­dio, pela fome imposta em Gaza, pelo apartheid na CisjordĆ¢nia e por outros crimes que vem cometendo com total impunidade. Portanto, e Ć  luz da recorrente blindagem feita Ć  Israel por parte desses paĆ­ses ocidentais, Ć© preciso que fiquemos, nós que zelamos pelo direito Ć  vida, Ć  dignidade e Ć  autodeterminação de todos os povos, atentos e insistindo no julgamento de Israel em todos os possĆ­veis foros de JustiƧa, quer sejam institucionalizados, por exemplo, o ICJ e o ICC, ou da sociedade civil - Hind Rajab Foundation e outros - bem como dos movimentos populares.


ree

Quanto Ć  situação em Israel, as pesquisas mais recentes, inclusive israelenses, seguem reafirmando que a maioria da população israelense nĆ£o se opƵe ao genocĆ­dio, nem Ć  limpeza Ć©tnica, e tampouco irĆ” protestar em massa significativa contra o uso da fome como arma de repressĆ£o, dominação e subjugação contra o povo palestino. Ɖ preciso encarar essa realidade e dizer que os protestos de ruas dos israelenses tratam essencialmente de outros assuntos e de conflitos internos: a libertação dos prisioneiros israelenses em Gaza, o recrutamento militar de grupos religiosos judeus, a questĆ£o da separação entre poderes do Estado e assim por diante.


ANDES-SN: Como as nações e a população podem se colocar para pressionar pelo fim do genocídio em Gaza?

Muna Muhammad Odeh: Preciso dizer, em primeiro lugar, que tudo gira em torno da força e da contínua resistência do povo palestino e a inabalÔvel crença na justiça da sua causa ao longo de uma história de luta anticolonial, que se estende hÔ mais de 100 anos, quando o poder imperial britânico foi o precursor para a criação de uma outra entidade colonial que é Israel.  Essa força e resistência contínua do povo palestino inspirou os movimentos de solidariedade em todo o globo, nas palavras da militante acadêmica Angela Davis: "Nós depositamos nossos sonhos na Palestina".


Vimos protestos semanais de milhares de pessoas ocupando as ruas de capitais dos países ocidentais - Londres, Paris, Amsterdam, Berlin e outros, cujos governos têm mostrado incondicional apoio a Israel militar, econÓmica e diplomaticamente. Nesses países, os protestos têm trazido importantes resultados, incluindo congelar a exportação de armas e de produtos específicos; restrições nos convênios comerciais, impactos nas relações diplomÔticas dentro outras visíveis mudanças, que têm levado ao questionamento do princípio da impunidade de Israel como vítima, uma falÔcia até então dominante e pouco questionada.


Ɖ preciso entender aqui que o retrato de Israel, enquanto continuidade do colonialismo europeu e branco, foi o veĆ­culo para justificar seus crimes desde 1948 atĆ© os dias de hoje, de forma assimĆ©trica e distorcida.Ā  As novas geraƧƵes desses paĆ­ses ocidentais se encontram perante as contradiƧƵes que vivem sistemas de neoliberalismo e do capitalismo, que cada vez tĆŖm exacerbado a pobreza e a desigualdade internamente, fazendo com que esses jovens se vejam descrentes e crĆ­ticos do imperialismo e do colonialismo. As pesquisas, no caso, demonstram que Israel vem perdendo apoio significativamente em paĆ­ses ocidentais de centro e sendo considerado como um paĆ­s pĆ”ria.


A solidariedade tem sido resumida a atos de repúdio nas ruas, em questionar lideranças políticas para incriminar Israel, em ajuda concreta de envio de profissionais de Saúde em particular, sendo que muitos são filhos e filhas de migrantes advindos do Sul Global, o que estabelece novas realidades na solidariedade da Saúde global, de forma a descolonizar essa Ôrea de conhecimento e de prÔtica. Por fim, seguir e implementar o chamado palestino para o BDS - Boicote, Desinvestimento e Sanções, movimento que tem realizado importantes conquistas, cujo objetivo é criar pressão suficiente para o fim do colonialismo de Israel, o direito de retorno dos palestinos e palestinas que passaram pelo crime de limpeza étnica executado por Israel e pelo fim do apartheid israelense.  


Nos países do Sul global temos vistos ações similares e com impactos mais significativos na esfera de reconhecimento do genocídio em Gaza em nível dos governos - Brasil, ColÓmbia, dentro outros -, bem como os protestos, atos de repúdio, boicote acadêmicos e dezenas de outras ações que têm mobilizado discussões e gerado, em alguns casos, enfrentamentos com alguns grupos evangélicos da direita, historicamente aliados ao apartheid de Israel.


Importante dizer que essas vozes e movimentos solidÔrios chegam e são ouvidos e muito apreciados pelo povo palestino, que vive o cerco, o genocídio, a limpeza étnica e o colonialismo brutal de Israel. Faz-se necessÔrio não abandonar a Palestina nessa conjuntura crítica, faz-se importante não normalizar os crimes que Israel comete todo dia e faz-se imperativo que as pessoas entendam que a solidariedade com um povo que luta pela sua vida e sua autodeterminação é um ato de autovalorização da própria pessoa que solidariza. 

Portanto, cada um e cada uma, conforme sua capacidade de atuar, pode se engajar em atos de repĆŗdio, de protesto e de BDS e de continuar a falar sobre a Palestina e sobre o fim do colonialismo e do apartheid imposto por Israel.Ā Ā Ā 


ANDES-SN: O assassinato de uma equipe da agência de notícias Al Jazeera [em 10/8] chamou também atenção para o grande número de jornalistas jÔ assassinados por Israel, considerado o maior de todas as recentes guerras. O que motiva essa guerra também contra a imprensa?

Muna Muhammad Odeh: O histórico do colonialismo de Israel contém vÔrios casos de assassinato de jornalistas, por exemplo, em Gaza durante a Marcha de Retorno de 2018. Sobre isto, o Repórteres Sem Fronteira disse o seguinte: "No quarto aniversÔrio da morte do jornalista palestino Ahmed Abu Hussein pela bala de franco-atirador israelense que o feriu fatalmente enquanto cobria um dos protestos da "Grande Marcha de Retorno" perto da fronteira israelense na Faixa de Gaza, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) anuncia que registrou mais de 140 violações israelenses contra jornalistas palestinos desde que esses protestos semanais começaram em março de 2018". Israel-Palestina: Quatro anos de violência contra jornalistas palestinos que cobriam os protestos da "Marcha do Retorno" | RSF


Vimos também o caso de Shireen Abu Aklah, jornalista palestina de Al Jazeera morta em 11 de maio de 2022, enquanto cobria o período de ataques militares na Cisjordânia. Como sempre, Israel mentiu e deu uma versão fabricada de que ela teria sido morta por tiros palestinos e, um longo período depois, admitiu o assassinato dizendo que foi por engano, sempre contando com a impunidade de um poder colonial blindado pelo ocidente do centro. 


A diretoria do ANDES-SN esteve na Embaixada da Palestina, em agosto, para discutir aƧƵes de solidariedade e troca com o povo Palestino.
A diretoria do ANDES-SN esteve na Embaixada da Palestina, em agosto, para discutir aƧƵes de solidariedade e troca com o povo Palestino.

Em todos os casos, fica evidente que Israel desejava o silenciamento da voz de jornalistas palestinas e palestinos, e que Ć© sempre melhor que a verdade sobre seus crimes e as atrocidades sejam ocultados do mundo, pois Ć© um Estado nada democrĆ”tico e muito longe de ser, como deseja transmitir ao mundo, o fator ā€˜civilizatório’ naquela regiĆ£o.Ā 


Na atual guerra de Israel contra o povo palestino de Gaza, a intensificação da violência contra o corpo de jornalistas reflete ainda mais o desespero de Israel de encobertar a verdade, de barrar e apagar a transmissão do genocídio, da limpeza étnica, da matança de crianças e da sua mutilação, do bombardeio e da destruição de tudo que é vida em Gaza. Eis uma situação inusitada, de profissionais de jornalismo sendo os únicos testemunhos a gravar e a transmitir tudo o que acontece em Gaza. Na falta deles e delas, não teríamos tido o registro do genocídio de Gaza, de forma mais precisa, corajosa e profundamente ética, pois são profissionais que se recusaram a se silenciar, deixando passar os crimes de Israel sem que o mundo saiba, sem que o mundo também seja testemunho.


Israel não permitiu a entrada de jornalistas internacionais, achando que, com isso, não teria evidências críveis, desde uma perspectiva racista de que não tem credibilidade o que sai de notícia pelo jornalismo palestino. A cada assassinato, Israel acreditava que iria intimidar jornalistas em Gaza, no entanto, isso não ocorreu e continuamos a ouvir, a ver e a se indignar perante os crimes cometidos por Israel diariamente em Gaza.


Comentaristas na Ôrea notam que jornalistas e profissionais da Ôrea de mídia de Gaza evoluíram em formas de transmissão de notícias e de providenciar trabalhos profissionais que desafiam os contextos de genocídio e de limpeza étnica as quais eles próprios são vítimas. Num cenÔrio desses, quando a fome se exacerba em Gaza, assistimos a uma reportagem da médica que tem fome, atende pacientes feridos e com fome, sendo tudo isso filmado e reportado por uma jornalista e sua equipe, também com fome. Tais realidade têm comovido o mundo, aprofundado a solidariedade com a luta do povo palestino ao mesmo tempo que aumentando, exponencialmente, o repúdio contra o apartheid israelense e seus crimes.


Leia aqui o InformANDES de agosto com matƩria sobre a ofensiva de Israel em Gaza e o assassinato de mais de 240 jornalistas.


Fonte: ANDES-SN *Fotos: Eline Luz / Imprensa ANDES-SN


Ā 
Ā 
bottom of page